Florianópolis - SC
Com a palavra: Jiddu Krishnamurti
"E também em nossa consciência estamos magoados.
Cada ser humano, desde a infância, é ferido.
É ferido pelos pais, estou falando psicologicamente.
Ferido na escola, através da comparação, através da
competição.
Sendo cobrado, naquela matéria, para ser o primeiro da
classe, e assim por diante, na faculdade, na universidade e na vida, é um constante
processo de ser ferido. Todos nós sabemos disso.
Somos todos seres humanos, somos magoados, profundamente e
podemos não estar conscientes disso.
E, sendo feridos, existem todas as formas de ações
neuróticas.
Isso faz parte de nossa consciência.
Parte de nossa consciência exposta ou oculta, que está ferida.
Agora, é possível não ser ferido de alguma forma?
Porque essa é uma questão muito importante a ser colocada.
Porque as consequências de se ferir são:
Construção de um muro em torno de si;
O afastamento de nossas relações uns com os outros para não se
machucar mais;
E nisso existe o medo. Um gradual isolamento.
Agora, nós estamos perguntando, se é possível não apenas estar
livre das feridas do passado, mas também nunca se machucar novamente. Não por
insensibilidade, pela indiferença, pela total desconsideração de todas as
relações. Mas sim, questionar o porquê e o que é que está sendo ferido.
Esta ferida é, como dizemos, parte da nossa consciência.
Onde várias ações neuróticas e contraditórias acontecem.
Então nós estamos examinando, como examinamos a crença.
Estamos examinando a mágoa, que faz parte da nossa consciência.
Por favor, isso não está fora de nós, isso faz parte de nós.
Agora, o que é que está sendo ferido, magoado?
E é possível nunca se machucar?
Você entendeu? Um ser humano que é livre, totalmente, nunca será
ferido por qualquer coisa psicologicamente, interiormente. Essa não é uma
questão importante?
E o que é que está machucado?
Nós dizemos: esse sou eu e estou machucado. O que é esse eu?
Desde a infância tem sido construída uma imagem de si mesmo.
Nós temos muitas, muitas imagens, não apenas as imagens que
as pessoas nos dão, mas também as imagens que nós mesmos construímos, como um
americano, que é uma imagem, como um hindu, como um especialista.
Assim, como o “eu” é a imagem que eu construí sobre mim, como
um grande homem que sou, ou que eu sou muito bom nisso ou naquilo, e essa
imagem se machuca.
Certo? Você tem imagem, você é um cozinheiro maravilhoso, um
carpinteiro maravilhoso, um grande orador... escritor, um ser espiritual, um líder,
nós criamos essas imagens para nós mesmos.
Temos outras imagens que não mencionarei neste momento.
Essas imagens são a totalidade do “eu”, quando digo que
estou magoado, entende-se que a imagem foi ferida.
Se eu tiver uma imagem de mim mesmo e você vem e me diz: Não
seja idiota! Eu fico magoado. Ou seja, a imagem que eu construí de mim mesmo
como não sendo idiota, um estúpido idiota, vem então você e me diz: você é,
isso me magoa. E carrego essa imagem, que foi ferida, para o resto de minha
vida, cuidando para não me magoar mais, afastando qualquer afirmação a respeito
da minha idiotice.
...
Isso é muito sério, porque as consequências de se ferir são
muito complexas.
E a partir dessa ferida poderemos querer nos preencher,
poderemos desejar nos tornar isso ou aquilo, para escapar dessa terrível dor.
Então é preciso compreender isso.
E é possível não ter absolutamente nenhuma imagem a respeito
de si próprio?
Porque você tem imagens a respeito de si próprio?
Você pode ter uma aparência muito bonita, brilhante,
inteligente, um rosto claro, e eu quero ser como você, e se eu não sou eu me
machuco.
Assim, a comparação pode ser um dos fatores que provocam as
feridas, psicologicamente.
Então, porque comparar?
Você entende todas essas perguntas?
Assim, pode-se viver, nesse mundo moderno, uma vida sem uma única
imagem?"